“Musa, reconta-me os feitos do herói astucioso que muito peregrinou”(1) – assim começa o poema épico de Homero que relata uma longa jornada tumultuada de volta para a casa, chamada nostos (νόστος) nos estudos clássicos. A Odisseia narra as peripécias de Odisseu, também conhecido pela forma latina Ulisses, para regressar a Ítaca, ilha grega onde a esposa Penélope e o filho Telêmaco o esperam após a década que passara na guerra contra os troianos, combate em que os gregos saíram vitoriosos por um plano do herói, o cavalo de Troia.
Enquanto voltava para casa, Odisseu realizou muitos feitos. Um dos episódios mais famosos é o encontro com o ciclope Polifemo. É nesse momento que Odisseu exibe uma de suas maiores artimanhas, mas também escorrega na arrogância: ele se apresenta ao gigante como “Ninguém”(2) e, usando de uma manobra, consegue cegar o único olho do ciclope, porém já livres os companheiros e Odisseu, o herói acaba por revelar seu nome, tornando-se alvo da ira do pai de Polifemo e deus dos oceanos, Posídon.
Tal como Aquiles, Odisseu foi eternizado nos versos homéricos, mas é muito diferente do herói da Ilíada, que busca a glória (kléos) na morte em batalha. A glória na Odisseia é o retorno ao lar. A grande aventura de Odisseu é sobreviver, sendo, entre os heróis helênicos, o mais astucioso.
(1) Início da Odisseia traduzida por Carlos Alberto Nunes [25.ed.]; Editora Nova Fronteira, 2015.
(2) “Οὖτις ἐμοί γ' ὄνομα” (“Outis emoí g’ónoma”/ “Ninguém é o meu nome”): frase dita por Odisseu no Canto IX, v. 366. Nos versos 405 e 406 outra forma que pode ser traduzida como “ninguém” (μή τίς/mé tís), como faz Trajano Vieira em sua tradução de 2011 publicada pela Editora 34, é usada pelos outros ciclopes para perguntar a Polifemo “quem” o havia ferido. Essa forma de “negar alguém” sonoramente se parece com uma palavra grega que tem como significado “astúcia”, “habilidade” (μήτις), palavras que remetem à características do herói da epopeia: astucioso.
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